terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A inclusão social como questão filosófica[1]


Tássio Ricelly[2]


Inicialmente gostaríamos de esclarecer que não há o intuito de esgotar a questão que aqui será discutida, mas sim apenas exercitá-la. Também não definiremos o que de fato é inclusão, pois à medida que definimos determinada coisa - seja ela de qualquer natureza - impossibilitamos qualquer discussão ulterior. Um conceito deve ser flexível, para que ao mudar a realidade, ele possa descrevê-la, anunciá-la. Doutro modo, a linguagem criaria a realidade, e não o inverso, o que consistiria em um problema.
Vivemos em tempos de inclusão e certamente quase não há como discordar disso. O homossexualismo é cada vez mais aceito e tido como “comum” nas instituições sociais: escolas, hospitais, restaurantes e etc.. Os que denominamos erroneamente de deficientes assumem a cada dia posições sociais que antes lhes eram restritas. Portanto, podemos assertivamente dizer que vivemos num horizonte de inclusão, resultado de um longo processo histórico marcado por lutas e conquistas.
Poderíamos simplesmente perguntar, “em que medida essa questão - a inclusão - é uma questão que diz respeito à filosofia”, no entanto, seria simples respondê-la. Em primeiro lugar, a filosofia é um conhecimento do todo, mas não das partes, como disse Aristóteles, e, assim sendo, essa problemática deve preocupá-la. Em segundo lugar, o próprio iluminismo tinha como um dos seus ideais a igualdade, questão que ainda sufoca as ciências humanas, sobretudo, a sociologia. Em terceiro lugar, não questionar filosoficamente as diferenças nos é impossível, pois, à medida que tanto lemos a teoria marxista não podemos simplesmente negligenciá-la. E por fim, cremos que, enquanto filósofos ou não, devemos nos preocupar com as relações sociais, pois todo conhecimento deve convergir ao homem.
Biologicamente podemos não ser iguais uns aos outros, intelectualmente também, mas, há algo que nos torna comuns e isso não é perceptível aos sentidos, fato esse que talvez justifique a dificuldade de lidarmos com esse problema. Para Platão as coisas físicas não são idênticas, mas em suas formas ideais sim, em suma, dois homens podem não ter o mesmo estereótipo, mas, a ideia de homem é sempre a mesma. Ou seja, sempre que falamos cadeira não estamos nos referindo a “esta” ou “aquela” cadeira, mas sim a uma ideia de cadeira que nos faz ligar todas as cadeiras umas às outras.
“O homem não é o que ele pensa ser”. Talvez essa ideia de Freud seja real, é provável que o iluminismo tenha obtusamente construído uma ideia de homem que não equivale ao homem em si. No entanto, não há homem em si, o que há de fato são homens individuais que vivem sobre condições sociais e econômicas distintas, como disse Marx. O homem é um ser que vive coletivamente, mas ainda sim é um ser individual, a única coisa que todos têm em comum, como já dissemos, é a ideia, a essência. Essencialmente somos todos iguais, não há diferenças, não importam as aparências e potencialidades físicas ou intelectuais.
Entendemos que o tratamento desigual visa restituir uma igualdade há muito tempo roubada, no entanto, a luta pela inclusão é muito mais ideológica do que física e espacial. Devemos inicialmente destruir os múltiplos conceitos de homem, estes, a todo o momento tentam estereotipar os indivíduos. Entender que não há um conceito que englobe todos os humanos é bem mais humano do que tentar prender os homens a um conceito. Como já dissemos desde o inicio, toda definição é um tanto arbitrária.
Portanto, a luta pela inclusão deve ser dada agora por um viés que denominamos ousadamente de conscienciocêntrico, haja vista a existência de todo um aparato legal e burocrático que ampara a inclusão tanto na escola como nas demais esferas da vida pública. Em outras palavras, a briga não é mais por leis ou emendas que tentem incluir, que dêem direitos a essas pessoas, devemos realizar uma inclusão social em nossa consciência, entender primeiramente que as pessoas devem ter tratamento digno, sejam elas deficientes ou não. Como idealistas entendemos que não há como existir no plano das ações humanas algo que não tenha existido antes na dimensão das ideias, ou seja, não podemos incluir as pessoas através de leis se antes não entendermos e interiorizarmos tal ideia. O que falta na inclusão é vontade, e não leis.
A inclusão ocorrerá quando primeiramente entendermos que não existe “o homem”, mas sim “os homens”. Quando pudermos agir e tratar os indivíduos de forma digna e ética, e esse agir deve ser desinteressado, como quis Kant, não amparado por leis e normas. Devemos fazer o certo pelo certo, eis o imperativo categórico kantiano. Afinal de contas, após dois milênios de filosofia de uma coisa já sabemos, que o homem não sabe o que ele é, a diferença é que agora ele tem consciência disso. Portanto, não tentemos entender o próximo para poder aceitá-lo, é mais humano aceitá-lo e tentar entender a nós mesmos, questão que negligenciamos a vida toda.



[1] Ensaio publicado na Revista Conhecimento Prático Filosofia. Segue o Link da versão digital < http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/37/a-inclusao-social-como-questao-filosofica-a-luta-pela-263466-1.asp>.
[2] Aluno do Curso de Filosofia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, bolsista do CNPq e professor do CLPP em Apodi/RN. E-mail: tassioricelly@gmail.com

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