Tássio Ricelly[2]
Inicialmente gostaríamos de
esclarecer que não há o intuito de esgotar a questão que aqui será discutida,
mas sim apenas exercitá-la. Também não definiremos o que de fato é inclusão,
pois à medida que definimos determinada coisa - seja ela de qualquer natureza -
impossibilitamos qualquer discussão ulterior. Um conceito deve ser flexível,
para que ao mudar a realidade, ele possa descrevê-la, anunciá-la. Doutro modo,
a linguagem criaria a realidade, e não o inverso, o que consistiria em um
problema.
Vivemos em tempos de
inclusão e certamente quase não há como discordar disso. O homossexualismo é
cada vez mais aceito e tido como “comum” nas instituições sociais: escolas,
hospitais, restaurantes e etc.. Os que denominamos erroneamente de deficientes assumem a cada dia posições
sociais que antes lhes eram restritas. Portanto, podemos assertivamente dizer
que vivemos num horizonte de inclusão, resultado de um longo processo histórico
marcado por lutas e conquistas.
Poderíamos simplesmente
perguntar, “em que medida essa questão - a
inclusão - é uma questão que diz respeito à filosofia”, no entanto, seria
simples respondê-la. Em primeiro lugar, a filosofia é um conhecimento do todo,
mas não das partes, como disse Aristóteles, e, assim sendo, essa problemática
deve preocupá-la. Em segundo lugar, o próprio iluminismo tinha como um dos seus ideais a igualdade, questão que ainda sufoca as ciências humanas, sobretudo,
a sociologia. Em terceiro lugar, não questionar filosoficamente as diferenças
nos é impossível, pois, à medida que tanto lemos a teoria marxista não podemos
simplesmente negligenciá-la. E por fim, cremos que, enquanto filósofos ou não, devemos
nos preocupar com as relações sociais, pois todo conhecimento deve convergir ao
homem.
Biologicamente podemos não
ser iguais uns aos outros, intelectualmente também, mas, há algo que nos torna
comuns e isso não é perceptível aos sentidos, fato esse que talvez justifique a
dificuldade de lidarmos com esse problema. Para Platão as coisas físicas não
são idênticas, mas em suas formas ideais sim, em suma, dois homens podem não ter
o mesmo estereótipo, mas, a ideia de homem é sempre a mesma. Ou seja, sempre
que falamos cadeira não estamos nos
referindo a “esta” ou “aquela” cadeira, mas sim a uma ideia de cadeira que nos
faz ligar todas as cadeiras umas às outras.
“O homem não é o que ele
pensa ser”. Talvez essa ideia de Freud seja real, é provável que o iluminismo
tenha obtusamente construído uma ideia de homem que não equivale ao homem em
si. No entanto, não há homem em si, o que há de fato são homens individuais que
vivem sobre condições sociais e econômicas distintas, como disse Marx. O homem
é um ser que vive coletivamente, mas ainda sim é um ser individual, a única
coisa que todos têm em comum, como já dissemos, é a ideia, a essência.
Essencialmente somos todos iguais, não há diferenças, não importam as
aparências e potencialidades físicas ou intelectuais.
Entendemos que o tratamento
desigual visa restituir uma igualdade há muito tempo roubada, no entanto, a
luta pela inclusão é muito mais ideológica do que física e espacial. Devemos
inicialmente destruir os múltiplos conceitos de homem, estes, a todo o momento
tentam estereotipar os indivíduos. Entender que não há um conceito que englobe
todos os humanos é bem mais humano do que tentar prender os homens a um
conceito. Como já dissemos desde o inicio, toda definição é um tanto
arbitrária.
Portanto, a luta pela
inclusão deve ser dada agora por um viés que denominamos ousadamente de conscienciocêntrico, haja vista a
existência de todo um aparato legal e burocrático que ampara a inclusão tanto
na escola como nas demais esferas da vida pública. Em outras palavras, a briga
não é mais por leis ou emendas que tentem incluir, que dêem direitos a essas
pessoas, devemos realizar uma inclusão social em nossa consciência, entender
primeiramente que as pessoas devem ter tratamento digno, sejam elas deficientes
ou não. Como idealistas entendemos que não há como existir no plano das ações
humanas algo que não tenha existido antes na dimensão das ideias, ou seja, não
podemos incluir as pessoas através de leis se antes não entendermos e
interiorizarmos tal ideia. O que falta na inclusão é vontade, e não leis.
A inclusão ocorrerá quando
primeiramente entendermos que não existe “o homem”, mas sim “os homens”. Quando
pudermos agir e tratar os indivíduos de forma digna e ética, e esse agir deve
ser desinteressado, como quis Kant, não amparado por leis e normas. Devemos
fazer o certo pelo certo, eis o imperativo categórico kantiano. Afinal de
contas, após dois milênios de filosofia de uma coisa já sabemos, que o homem
não sabe o que ele é, a diferença é que agora ele tem consciência disso.
Portanto, não tentemos entender o próximo para poder aceitá-lo, é mais humano
aceitá-lo e tentar entender a nós mesmos, questão que negligenciamos a vida
toda.
[1]
Ensaio publicado na Revista Conhecimento Prático Filosofia. Segue o Link da
versão digital < http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/37/a-inclusao-social-como-questao-filosofica-a-luta-pela-263466-1.asp>.
[2]
Aluno do Curso de Filosofia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, bolsista
do CNPq e professor do CLPP em Apodi/RN. E-mail: tassioricelly@gmail.com
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